De Povos Indígenas no Brasil
Foto: Rogério do Pateo, 2000

Yanomami

Autodenominação
Onde estão Quantos são
AM, RR 30390 (Dsei Yanomami, 2023)
Venezuela 11341 (INE, 2011)
Família linguística
Yanomami
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Kami Yamaki Urihipë, Nossa Terra-Floresta

Para os Yanomami, ''urihi'', a terra-floresta, não é um mero espaço inerte de exploração econômica (o que chamamos de “natureza”) Trata-se de uma entidade viva, inserida numa complexa dinâmica cosmológica de intercâmbios entre humanos e não-humanos. Como tal, se encontra hoje ameaçada pela predação cega dos brancos. Na visão do líder Davi Kopenawa Yanomami:

A terra-floresta só pode morrer se for destruída pelos brancos. Então, os riachos sumirão, a terra ficará friável, as árvores secarão e as pedras das montanhas racharão com o calor. Os espíritos xapiripë, que moram nas serras e ficam brincando na floresta, acabarão fugindo. Seus pais, os xamãs, não poderão mais chamá-los para nos proteger. A terra-floresta se tornará seca e vazia. Os xamãs não poderão mais deter as fumaças-epidemias e os seres maléficos que nos adoecem. Assim, todos morrerão."

Localização e população

Vista aérea da aldeia Demini do povo Yanomami, Amazonas. Foto: Marcos Wesley/CCPY, 2005
Vista aérea da aldeia Demini do povo Yanomami, Amazonas. Foto: Marcos Wesley/CCPY, 2005

Os Yanomami formam uma sociedade de caçadores-agricultores da floresta tropical do Norte da Amazônia cujo contato com a sociedade nacional é, na maior parte do seu território, relativamente recente. Seu território cobre, aproximadamente, 192.000 km², situados em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela na região do interflúvio Orinoco - Amazonas (afluentes da margem direita do rio Branco e esquerda do rio Negro). Constituem um conjunto cultural e linguístico composto de, pelo menos, quatro subgrupos adjacentes que falam línguas da mesma família (Yanomae, Yanõmami, Sanima e Ninam). A população total dos Yanomami, no Brasil e na Venezuela, era estimada em cerca de 35.000 pessoas no ano de 2011.

Detalhe da maloca Balaú (AM). Foto: Carlo Zacquini, 1994
Detalhe da maloca Balaú (AM). Foto: Carlo Zacquini, 1994

No Brasil, a população yanomami era de 19.338 pessoas, repartidas em 228 comunidades (Sesai, 2011). A Terra Indígena Yanomami, que cobre 9.664.975 hectares (96.650 km²) de floresta tropical é reconhecida por sua alta relevância em termo de proteção da biodiversidade amazônica e foi homologada por um decreto presidencial em 25 de maio de 1992.

Nome

O etnônimo "Yanomami" foi produzido pelos antropólogos a partir da palavra yanõmami que, na expressão yanõmami thëpë, significa "seres humanos". Essa expressão se opõe às categorias yaro (animais de caça) e yai (seres invisíveis ou sem nome), mas também a napë (inimigo, estrangeiro, "branco"). Os Yanomami remetem sua origem à copulação do demiurgo Omama com a filha do monstro aquático Tëpërësiki, dono das plantas cultivadas. A Omama é atribuída a origem das regras da sociedade e da cultura yanomami atual, bem como a criação dos espíritos auxiliares dos pajés: os ''xapiripë ''(ou ''hekurapë''). O filho de Omama foi o primeiro xamã. O irmão ciumento e malvado de Omama, Yoasi, é a origem da morte e dos males do mundo.

Os brancos: napëpë

Uma narrativa mítica ensina que os estrangeiros devem também sua existência aos poderes demiúrgicos de Omama. Conta-se que foram criados a partir da espuma do sangue de um grupo de ancestrais Yanomami levado por uma enchente após a quebra de um resguardo menstrual e devorado por jacarés e ariranhas. A língua "emaranhada" dos forasteiros lhes foi transmitida pelo zumbido de Remori, o antepassado mítico do marimbondo comum nas praias dos grandes rios.

Para chegar a esta inclusão dos brancos numa humanidade comum, ainda que oriunda de uma criação "de segunda mão", os antigos Yanomami tiveram que viver um longo tempo de encontros perigosos e tensos com esses estranhos, que passaram a chamar de napëpë (“estrangeiros, inimigos”). De fato, a primeira visão que tiveram dos brancos foi de um grupo de fantasmas vindo de suas moradias nas "costas do céu" com o escandaloso propósito de voltar a morar no mundo dos vivos (a volta dos mortos é um tema mítico e ritual particularmente importante para os Yanomami).

Os antigos Yanomami

Por não possuírem afinidade genética, antropométrica ou lingüística com os seus vizinhos atuais, como os Ye'kuana (de língua karíb), geneticistas e lingüistas que os estudaram deduziram que os Yanomami seriam descendentes de um grupo indígena que permaneceu relativamente isolado desde uma época remota. Uma vez estabelecido enquanto conjunto lingüístico, os antigos Yanomami teriam ocupado a área das cabeceiras do Orinoco e Parima há um milênio, e ali iniciado o seu processo de diferenciação interna (há 700 anos) para acabar desenvolvendo suas línguas atuais.

Segundo a tradição oral yanomami e os documentos mais antigos que mencionam este grupo indígena, o centro histórico do seu habitat situa-se na Serra Parima, divisor de águas entre o alto Orinoco e os afluentes da margem direita do rio Branco. Essa é ainda a área mais densamente povoada do seu território. O movimento de dispersão do povoamento yanomami a partir da Serra Parima em direção às terras baixas circunvizinhas começou, provavelmente, na primeira metade do século XIX, após a penetração colonial nas regiões do alto Orinoco e dos rios Negro e Branco, na segunda metade do século XVIII. A configuração contemporânea das terras yanomami tem sua origem neste antigo movimento migratório.

Tal expansão geográfica dos Yanomami foi possível, a partir do século XIX e até o começo do século XX, por um importante crescimento demográfico. Vários antropólogos consideram que essa expansão populacional foi causada por transformações econômicas induzidas pela aquisição de novas plantas de cultivo e de ferramentas metálicas através de trocas e guerras com grupos indígenas vizinhos (Karib, ao norte e a leste; Arawak, ao sul e ao oeste), que, por sua vez, mantinham um contato direto com a fronteira branca. O esvaziamento progressivo do território desses grupos, dizimados pelo contato com a sociedade regional por todo o século XIX, acabou favorecendo também o processo de expansão yanomami.

Primeiros contatos

Até o fim do século XIX, os Yanomami mantinham contato apenas com outros grupos indígenas vizinhos.

No Brasil, os primeiros encontros diretos de grupos yanomami com representantes da fronteira extrativista local (balateiros, piaçabeiros, caçadores), bem como com soldados da Comissão de Limites e funcionários do SPI ou viajantes estrangeiros, ocorreram nas décadas de 1910 a 1940.

Entre os anos 1940 e meados dos anos 1960, a abertura de alguns postos do SPI e, sobretudo, de várias missões católicas e evangélicas, estabeleceu os primeiros pontos de contato permanente no seu território. Estes postos constituíram uma rede de pólos de sedentarização, fonte regular de objetos manufaturados e de alguma assistência sanitária, mas também, muitas vezes, origem de graves surtos epidêmicos (sarampo, gripe e coqueluche).

O tempo do desenvolvimento

Abertura da Assembléia Geral Yanomami. À direita, o líder Davi Kopenawa (com Raimundo Yanomami). Aldeia Demini, 11/12/2000. Foto: Hervé Chandès.
Abertura da Assembléia Geral Yanomami. À direita, o líder Davi Kopenawa (com Raimundo Yanomami). Aldeia Demini, 11/12/2000. Foto: Hervé Chandès.

Nas décadas de 1970 e 1980, os projetos de desenvolvimento do Estado começaram a submeter os Yanomami a formas de contato maciço com a fronteira econômica regional em expansão, principalmente no oeste de Roraima: estradas, projetos de colonização, fazendas, serrarias, canteiros de obras e primeiros garimpos. Esses contatos provocaram um choque epidemiológico de grande magnitude, causando altas perdas demográficas, uma degradação sanitária generalizada e, em algumas áreas, graves fenômenos de desestruturação social.

A estrada Perimetral Norte

Índios Yanomami na rodovia federal BR-210, também conhecida como Perimetral Norte, Terra Indígena Yanomami. Foto: Bruce Albert, 1976
Índios Yanomami na rodovia federal BR-210, também conhecida como Perimetral Norte, Terra Indígena Yanomami. Foto: Bruce Albert, 1976

As duas principais formas de contato inicialmente conhecidas pelos Yanomami - primeiro, com a fronteira extrativista e, depois, com a fronteira missionária - coexistiram até o início dos anos 1970 como uma associação dominante no seu território. Entretanto, os anos 1970 foram marcados (especialmente em Roraima) pela implantação de projetos de desenvolvimento no âmbito do “Plano de Integração Nacional” lançado pelos governos militares da época. Tratava-se, essencialmente, da abertura de um trecho da estrada Perimetral Norte (1973-76) e de programas de colonização pública (1978-79) que invadiram o sudeste das terras yanomami. Nesse mesmo período, o projeto de levantamento dos recursos amazônicos RADAM (1975) detectou a existência de importantes jazidas minerais na região.

A publicidade dada ao potencial mineral do território yanomami desencadeou um movimento progressivo de invasão garimpeira, que acabou agravando-se no final dos anos 1980 e tomou a forma, a partir de 1987, de uma verdadeira corrida do ouro.

Saiba mais

Veja aqui o mapa e caracterização socioambiental da Terra Indígena Yanomami

A corrida do ouro

Yanomami com as cinzas dos parentes vitimados no Massacre de Haximu. Foto: Carlo Zacquini, 1993
Yanomami com as cinzas dos parentes vitimados no Massacre de Haximu. Foto: Carlo Zacquini, 1993

Uma centena de pistas clandestinas de garimpo foi aberta no curso superior dos principais afluentes do Rio Branco entre 1987 e 1990. O número de garimpeiros na área yanomami de Roraima foi, então, estimado em 30 a 40.000, cerca de cinco vezes a população indígena ali residente. Embora a intensidade dessa corrida do ouro tenha diminuído muito a partir do começo dos anos 1990, até hoje núcleos de garimpagem continuam encravados na terra yanomami, de onde seguem espalhando violência e graves problemas sanitários e sociais.

Ameaças futuras?

Pista de pouso para aviões do garimpo Chimarrão, região do Alto Rio Mucajaí/ RR. Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.
Pista de pouso para aviões do garimpo Chimarrão, região do Alto Rio Mucajaí/ RR. Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.

A frente de expansão garimpeira tendeu, no fim da década de 1980, a suplantar as formas anteriores de contato dos Yanomami com a sociedade envolvente e até a relegar a segundo plano a fronteira dos projetos de desenvolvimento surgida nos anos 1970. Isto não significa, no entanto, que outras atividades econômicas (agricultura comercial, empreendimentos madeireiros e agropecuários, mineração industrial), ainda incipientes ou inexistentes, não possam constituir, no futuro, uma nova ameaça à integridade das terras yanomami, apesar de sua demarcação e homologação.

Piloto de helicóptero da Força Aérea Brasileira socorre Yanomami doente da maloca Hemosh. Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.
Piloto de helicóptero da Força Aérea Brasileira socorre Yanomami doente da maloca Hemosh. Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.

Assim, além do persistente interesse garimpeiro sobre a região, deve-se notar que quase 60% do território yanomami está coberto por requerimentos e títulos minerários registrados no Departamento Nacional de Produção Mineral por empresas de mineração públicas e privadas, nacionais e multinacionais.

Piloto de helicóptero da Força Aérea Brasileira na remoção de mulher Yanomami doente da maloca Hemosh para o posto médico de Surucucus. Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.
Piloto de helicóptero da Força Aérea Brasileira na remoção de mulher Yanomami doente da maloca Hemosh para o posto médico de Surucucus. Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.

Além disso, os projetos de colonização implementados nas décadas de 1970 e 1980 no leste e sudeste das terras yanomami criaram uma frente de povoamento que tende a expandir-se para dentro da área indígena (regiões de Ajarani e Apiaú) devido ao fluxo migratório direcionado para Roraima - tendência que poderá ser ampliada no futuro em conseqüência do apagamento dos limites da demarcação por um mega-incêndio que atingiu Roraima (1998).

Maloca do Hemosh, região do Alto Rio Mucajaí (RR). Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.
Maloca do Hemosh, região do Alto Rio Mucajaí (RR). Foto: Charles Vincent, Arquivo ISA/1990.

Enfim, três bases militares do “Projeto Calha Norte” foram implementadas na Terra Yanomami desde 1985 (Pelotões Especiais de Fronteira/ PEF de Maturacá, Surucucus e Auaris, um quarto está previsto na região de Ericó), induzindo graves problemas sociais (prostituição) nas população locais, o que já suscitou protestos de lideranças yanomami de Roraima.

A casa, a aldeia

Os grupos locais yanomami são geralmente constituídos por uma casa plurifamiliar em forma de cone ou de cone truncado chamado yano ou xapono (Yanomami orientais e ocidentais), ou por aldeias compostas de casas de tipos retangulares (Yanomami do norte e nordeste).

Maloca Yanomami e a pupunha para a festa, aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas. Foto: Kristian Bengtson, 2003
Maloca Yanomami e a pupunha para a festa, aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas. Foto: Kristian Bengtson, 2003

Cada casa coletiva ou aldeia considera-se como uma entidade econômica e política autônoma (kami theri yamaki, "nós co-residentes") e seus membros preferem, idealmente, casar-se nesta comunidade de parentes com um(a) primo(a) "cruzado(a)", ou seja, o(a) filho(a) de um tio materno e uma tia paterna. Esse tipo de casamento é reproduzido o quanto possível entre as famílias numa geração e de geração em geração, fazendo da casa coletiva ou aldeia yanomami um denso e confortável emaranhado de laços de consangüinidade e afinidade.

O espaço social inter-aldeão

Porém, apesar desse ideal autárquico, todos grupos locais mantêm uma rede de relações de troca matrimonial, cerimonial e econômica com vários grupos vizinhos, considerados aliados frente aos outros conjuntos multicomunitários da mesma natureza. Esses conjuntos superpõem-se parcialmente para formar uma malha sócio-política complexa, que liga a totalidade das casas coletivas e aldeias yanomami de um lado ao outro do território indígena

O espaço social fora da casa coletiva ou da aldeia, consideradas como mônadas de parentesco próximo, é tido com desconfiança como o universo perigoso dos "outros" (yaiyo thëpë): visitantes (hwamapë), que, nas grandes cerimônias funerárias e de aliança intercomunitária reahu, podem causar doenças usando de feitiçaria para se vingar de insultos, avareza ou ciúme sexual; inimigos (napë thëpë), que podem matar, atacando a aldeia como guerreiros (waipë) ou feiticeiros (okapë); gente desconhecida e longínqua (tanomai thëpë), que pode provocar doenças letais mandando espíritos xamânicos predadores ou caçar o duplo animal rixi das pessoas (os rixi vivem nas matas remotas, longe de seu duplo humano); enfim, os "brancos" (napëpë), categoria paradoxal de estrangeiros (inimigos potenciais) próximos, diante dos quais temem-se as epidemias (xawara) associadas às fumaças produzidas por suas "máquinas" (maquinários de garimpo, motores de aviões e helicópteros) e à queima de suas possessões (mercúrio e ouro, papéis, lonas e lixo).

O uso dos recursos

Trabalho diário de mulher yanomami/Maloca Toototobi (RR). Foto: Michel Pellanders, 1996.
Trabalho diário de mulher yanomami/Maloca Toototobi (RR). Foto: Michel Pellanders, 1996.

O espaço de floresta usado por cada casa-aldeia yanomami pode ser descrito esquematicamente como uma série de círculos concêntricos. Esses círculos delimitam áreas de uso de modos e intensidade distintos.

O primeiro círculo, num raio de cinco quilômetros, circunscreve a área de uso imediato da comunidade: pequena coleta feminina, pesca individual ou, no verão, pesca coletiva com timbó, caça ocasional de curta duração (ao amanhecer ou ao entardecer) e atividades agrícolas. O segundo círculo, num raio de cinco a dez quilômetros, é a área de caça individual (rama huu) e da coleta familiar do dia-a-dia.

Preparando a pupunha para festa, aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas. Foto: Kristian Bengtson, 2003
Preparando a pupunha para festa, aldeia Demini, Terra Indígena Yanomami, Amazonas. Foto: Kristian Bengtson, 2003

O terceiro círculo, num raio de dez a vinte quilômetros, é a área das expedições de caça coletivas (henimou) de uma a duas semanas que antecedem os rituais funerários (cremações dos ossos, enterros ou ingestões de cinzas nas cerimônias intercomunitárias reahu), bem como das longas expedições plurifamiliares de coleta e caça (três a seis semanas) durante a fase de maturação das novas roças (waima huu). Encontram-se também nesse "terceiro círculo" tanto as roças novas quanto as antigas, junto às quais se acampa esporadicamente – para cultivar nas primeiras, colher nas segundas – e em cujos arredores a caça é abundante.

Os Yanomami costumavam passar entre um terço e quase a metade do ano acampados em abrigos provisórios (naa nahipë) em diferentes locais dessa área de floresta mais afastada da sua casa coletiva ou aldeia.

Esse tempo de vida na floresta tende a diminuir quando se estabelecem relações de contato regular com os brancos, dos quais os Yanomami ficam dependentes para ter acesso a remédios e mercadorias.

Urihi, a terra-floresta

A palavra yanomami urihi designa a floresta e seu chão. Significa também território: ipa urihi, "minha terra", pode referir-se à região de nascimento ou à região de moradia atual do enunciador; yanomae thëpë urihipë, "a floresta dos seres humanos", é a mata que Omama deu para os Yanomami viverem de geração em geração; seria, em nossas palavras, "a terra yanomami". Urihi pode ser, também, o nome do mundo: urihi a pree, "a grande terra-floresta".

Fonte de recursos, urihi, a terra-floresta, não é, para os Yanomami, um simples cenário inerte submetido à vontade dos seres humanos. Entidade viva, ela tem uma imagem essencial (urihinari), um sopro (wixia), bem como um princípio imaterial de fertilidade (në rope).

Os animais (yaropë) que abriga são vistos como avatares dos antepassados míticos homens/animais da primeira humanidade (yaroripë) que acabaram assumindo a condição animal em razão do seu comportamento descontrolado, inversão das regras sociais atuais. Nas profundezas emaranhadas da urihi, nas suas colinas e nos seus rios, escondem-se inúmeros seres maléficos (në waripë), que ferem ou matam os Yanomami como se fossem caça, provocando doenças e mortes. No topo das montanhas, moram as imagens (utupë) dos ancestrais-animais transformadas em espíritos xamânicos xapiripë.

Os xapiripë foram deixados por Omama para que cuidassem dos humanos. Toda a extensão de urihi é coberta pelos seus espelhos onde brincam e dançam sem fim. No fundo das águas, esconde-se a casa do monstro Tëpërësik«, sogro de Omama, onde moram também os espíritos yawarioma, cujas irmãs seduzem e enlouquecem os jovens caçadores yanomami, dando-lhes, assim, acesso à carreira xamânica.

Outras leituras

O livro Urihi: A Terra-Floresta Yanomami, recém lançado pelo ISA em parceria com o Institut de Recherche pour le Développement (IRD), apresenta uma visão geral sobre o conhecimento florístico dos Yanomami com base em dados coletados em diferentes partes de seu território e em diferentes períodos. Esta publicação está à venda na Loja Virtual do ISA

Os espíritos xapiripë

Sessão de inalação do pó alucinógeno yãkõana/Maloca Toototobi. Foto: Milton Guran, 1991
Sessão de inalação do pó alucinógeno yãkõana/Maloca Toototobi. Foto: Milton Guran, 1991

A iniciação dos pajés é dolorosa e extática. Ao longo dela, inalando por muitos dias o pó alucinógeno yãkõana (resina ou fragmentos da casca interna da árvore Virola sp. secados e pulverizados) sob a condução dos mais antigos, aprendem a "ver/ conhecer" os espíritos xapiripë e a "responder" a seus cantos.

Os xapiripë são vistos sob a forma de miniaturas humanóides enfeitadas de ornamentos cerimoniais coloridos e brilhantes. Sua dança de apresentação é comparada à ruidosa e alegre chegada de grupos convidados, ricamente adornados, numa festa intercomunitária reahu. São, sobretudo, "imagens" xamânicas (utupë) de entes da floresta. Existem xapiripë de mamíferos, pássaros, peixes, batráquios, répteis, lagartos, quelônios, crustáceos e insetos. Existem espíritos de diversas árvores, espíritos das folhas, espíritos dos cipós, dos méis silvestres, da água, das pedras, das cachoeiras… Muitos são também "imagens" de entidades cósmicas (lua, sol, tempestade, trovão, relâmpago) e de personagens mitológicas. Existem também humildes xapiripë caseiros, como o espírito do cachorro, o espírito do fogo ou da panela de barro. Existem, enfim, espíritos dos "brancos" (os napënapëripë, mobilizados, por homeopatia simbólica, para combater as epidemias) e de seus animais domésticos (galinha, boi, cavalo).

O trabalho dos pajés

Uma vez iniciados, os pajés yanomami podem chamar até si os xapiripë, para que estes atuem como espíritos auxiliares. Esse poder de conhecimento/ visão e de comunicação com o mundo das “imagens/essencias vitais” (utupë) faz dos pajés os pilares da sociedade yanomami. Escudo contra os poderes maléficos oriundos dos humanos e dos não-humanos que ameaçam a vida dos membros de suas comunidades, eles são também incansáveis negociadores e guerreiros do invisível, dedicados a domar as entidades e as forças que movem a ordem cosmológica.

Controlam a fúria dos trovões e dos ventos de tempestade, a regularidade da alternância do dia e da noite, da seca e das chuvas, a abundância da caça, a fertilidade das plantações, sustentam a abóbada do céu para impedir sua queda (a terra atual é um antigo céu caído), afastam os predadores sobrenaturais da floresta, contra-atacam as investidas de espíritos agressivos de pajés inimigos e, principalmente, curam os doentes, vítimas da malevolência humana (feitiçarias, xamanismo agressivo, agressões ao duplo animal) ou não-humana (advinda dos seres maléficos në waripë).

Ver os espíritos xapiripë

Para desenvolver suas sessões, os pajés inalam o pó yãkõana, considerado como a comida dos espíritos. Sob seu efeito, dizem "morrer": entram num estado de transe visionário durante o qual "chamam" a si e "fazem descer" vários espíritos auxiliares, com os quais acabam identificando-se, imitando as coreografias e cantos de cada um em função da sua mobilização na pajelança (denignam-se os pajés como xapiri thëpë, "gente espírito"; o fazer pajelança diz-se xapirimu, "agir enquanto espírito"). Assim, quando "seus olhos morrem", os pajés adquirem uma visão/ poder que, ao contrário da percepção ilusória da "gente comum" (kua përa thëpë), lhes dá acesso à essência dos fenômenos e ao tempo de suas origens, portanto, à capacidade de modificar seu curso.

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  • Boca do ouro. Dir.: César P. Mendes. Vídeo Cor, HI-8 e U-Matic, 26 min., 1992. Prod.: CPCE
  • El cielo caera sobre la tierra. Dir.: Ricardo Franco; José Lozano. Filme cor, 16 mm, 55 min., 1992. Prod.: Ricardo G. Arroyo; Felix Tusell.
  • David contra Golias : Brasil Caim. Dir.: Aurélio Michiles. Vídeo Cor, VHS/NTSC, 10 min., 1993. Prod.: Cedi/PIB
  • La maison et la foret. Dir.: Volkmar Ziegler. Filme cor, 16 mm, 58 min., 1993. Prod.: Volkmar Ziegler; Pierrette Birraux.
  • Moon, jungle, fire and earth. Dir.: Pier Brinkman. Vídeo cor, U-Matic/NTSC, 20 min., 1992. Prod.: Humaniste League.
  • Ouro em Roraima : a extinção dos Yanomami. Vídeo cor, PAL-M, 42 min., 1995. Prod.: Wolfang Brog
  • Pau-Brasil. Dir.: André Luís. Vídeo Cor, HI-8 e U-Matic, 5 min., 1992. Prod.: CPCE
  • Pintura corporal : uma pele social. Dir.: Delvair Montagner. Vídeo Cor, HI-8/Betacam SP, 20 min., 1994. Prod.: CPCE
  • Povo da lua, povo do sangue. Dir.: Marcelo Tássara. Filme cor, 27 min., 1983. Prod.: Marcelo Tássara; Funarte.
  • Yanomami : extermínio e morte. Dir.: Delvair Montagner. Vídeo Cor, HI-8 e U-Matic, 30 seg., 1993. Prod.: CPCE; Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas
  • Yanomami : keepers of the flame. Dir.: Adolfo Rudy Vargas. Vídeo cor, VHS, 58 min., 1992. Prod.: California State Polythechnic University
  • Yanomami : povo sem futuro. Dir.: Delvair Montagner. Vídeo Cor, HI-8 e U-Matic, 30 seg., 1993. Prod.: CPCE; Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas
  • Mekarõn : amazone indianen. Amsterdam : Awí Productions, 1992. (CD)

Bruce Albert entrevista Davi Kopenawa

Xawara - O ouro canibal e a queda do céu

Em entrevista concedida ao Cedi, em Brasília, no dia 09 de março de 1990, Davi Kopenawa Yanomami respondeu na própria língua às perguntas do antropólogo Bruce Albert, revelando a visão do jovem pajé da aldeia Demini sobre o drama vivido atualmente pelo o seu povo. Bruce - Gostaria que você contasse o que os Yanomami falam das epidemias que assolam o seu território por causa da invasão garimpeira.

Davi - Vou te dizer o que nós pensamos. Nós chamamos estas epidemias de xawara. A xawara que mata os Yanomami. É assim que nós chamamos epidemia. Agora sabemos da origem da xawara. No começo, nós pensávamos que ela se propagava sozinha, sem causa. Agora ela está crescendo muito e se alastrando em toda parte. O que chamamos de xawara, há muito tempo nossos antepassados mantinham isto escondido. Omamë [o criador da humanidade yanomami e de suas regras culturais] mantinha a xawara escondida. Ele a mantinha escondida e não queria que os Yanomami mexessem com isto. Ele dizia: "não ! não toquem nisso!" Por isso ele a escondeu nas profundezas da terra. Ele dizia também: "Se isso fica na superfície da terra, todos Yanomami vão começar a morrer à toa!"

Tendo falado isso, ele a enterrou bem profundo. Mas hoje os nabëbë, os brancos, depois de terem descoberto nossa floresta, foram tomados por um desejo frenético de tirar esta xawara do fundo da terra onde Omamë a tinha guardado. Xawara é também o nome do que chamamos booshikë, a substância do metal, que vocês chamam "minério". Disso temos medo. A xawara do minério é inimiga dos Yanomami, de vocês também. Ela quer nos matar. Assim, se você começa a ficar doente, depois ela mata você. Por causa disso, nós, Yanomami, estamos muitos inquietos. Quando o ouro fica no frio das profundezas da terra, aí tudo está bem. Tudo está realmente bem. Ele não é perigoso. Quando os brancos tiram o ouro da terra, eles o queimam, mexem com ele em cima do fogo como se fosse farinha. Isto faz sair fumaça dele. Assim se cria a xawara, que é esta fumaça do ouro. Depois, esta xawara wakëxi, esta "epidemia-fumaça", vaise alastrando na floresta, lá onde moram os Yanomami, mas também na terra dos brancos, em todo lugar. É por isso que estamos morrendo. Por causa desta fumaça. Ela se torna fumaça de sarampo. Ela se torna agressiva e quando isso acontece ela acaba com os Yanomami.

Quando os brancos guardam o ouro dentro de latas, ele também deixa escapar um tipo de fumaça. É o que dizem os mais velhos, os verdadeiros anciãos que são grandes pajés. Quando os brancos secam o ouro dentro de latas com tampas bem fechadas e deixam estas latas expostas à quentura do sol, começa a sair uma fumaça, uma fumaça que não se vê e que se alastra e começa a matar os Yanomami. Ela faz também morrer os brancos, da mesma maneira. Não são só os Yanomami que morrem. Os brancos podem ser muito numerosos, eles acabarão morrendo todos também. É isto que os Yanomami falam entre eles.

Quando esta fumaça chega no peito do céu [para os Yanomami, o céu tem "costas"(onde moram os fantasmas, o trovão e diversas criaturas sobrenaturais) e um "peito", que é a abóbada celeste vista pelos humanos], ele começa também a ficar muito doente, ele começa também a ser atingido pela xawara. A terra também fica doente. E mesmo os hekurabë, os espíritos auxiliares dos pajés [espíritos descritos como humanóides miniaturas e que são manipulados pelos pajés ( considerados seus "pais") para curar, agredir, influir sobre fenômenos e entidades cosmológicas etc.], ficam muito doente. Mesmo Omamë está atingido. Deosimë (Deus) também. É por isso que estamos agora muito preocupados. "Os pajés que já morreram vão querer se vingar, vão querer cortar o céu em pedaços para que ele desabe em cima da terra. Nós queremos contar tudo isso para os brancos, mas eles não escutam."

Tem também a fumaça das fábricas. Vocês pensam que Deomisë pode afugentar esta xawara, mas ele não pode repelir está fumaça. Ele também vai ficar morrendo disso. Mesmo sendo um ser sobrenatural, ele vai ficar muito doente. Nós sabemos que as coisas andam assim, por isso estamos passando estas palavras para vocês. Mas os brancos não dão atenção. Eles não entendem isso e pensam simplesmente: "esta gente está mentindo". Não há pajés entre os brancos, é por isso . Nós Yanomami temos pajés que inalam o pó de yakõana [pó tirado da resina da árvore Virola elongata, que tem propriedades alucinógenas], que é muito potente, e assim sabemos da xawara e ficamos muito inquietos. Não queremos morrer. Nós queremos ficar numerosos. Mas agora que os garimpeiros nos viram e se aproximaram de nós, apesar do fato de que Omamë tem guardado o ouro embaixo da terra, eles estão retirando grandes quantidades dele, cavando o chão da floresta. Por isso, agora, xawara cresceu muito. Ela está muito alta no céu, alastrou-se muito longe. Não são só os Yanomami que morrem. Todos vamos morrer juntos. Quando a fumaça encher o peito do céu, ele vai ficar também morrendo, como um Yanomami. Por isso, quando ficar doente, o trovão vai-se fazer ouvir sem parar. O trovão vai ficar doente também e vai gritar de raiva, sem parar, sob o efeito do calor. Assim, o céu vai acabar rachando. Os pajés yanomami que morreram já são muitos, e vão querer se vingar... Quando os pajés morrem, os seus hekurabë, seus espíritos auxiliares, ficam muitos zangados. Eles vêem que os brancos fazem morrer os pajés, seus "pais". Os hekurabë vão querer se vingar, vão querer cortar o céu em pedaços para que ele desabe em cima da terra; também vão fazer cair o sol, e, quando o sol cair, tudo vai escurecer. Quando as estrelas e a lua também caírem, o céu vai fica escuro. Nós queremos contar tudo isso para os brancos, mas eles não escutam. Eles são outra gente, e não entendem. Eu acho que eles não querem prestar atenção. Eles pensam: "esta gente está simplesmente mentindo". É assim que eles pensam. Mas nós não mentimos Eles não sabem destas coisas. É por isso que eles pensam assim. Os brancos parecem aumentar muito, mas, mais tarde, os Yanomami acabarão tendo a sua vingança. Isso porque os hekurabë estão aqui conosco e o céu também está, bem como o espírito de Omamë, que nos diz "não! Não ficam desesperados! Mais tarde nós vamos Ter nossa vingança! Os garimpeiros, o governo, estes brancos que não gostam de nós... eles são outra gente, por isso eles querem nos fazer morrer. Mas nós teremos nossa vingança, eles também acabarão morrendo"... É assim também que pensam os hekurabë: "sim! teremos nossa vingança!". Nós, os pajés, também trabalhamos para vocês, os brancos. Por isso, quando os pajés todos estiverem mortos, vocês não conseguirão livrar-se dos perigos que eles sabem repelir.

Vocês ficarão sozinhos na terra e acabarão morrendo também. Quando o céu ficar realmente muito doente, não se terá mais pajés para segurá-lo com os seus hekurabë. Os brancos não sabem segurar o céu no seu lugar. Eles só ouvem a voz dos pajés, mas pensam, sem saber das coisas: "eles estão falando à toa, é só mentira!". Quando os pajés ainda estão vivos, o céu pode estar muito doente, mas eles vão conseguir impedir que ele caia. Sim, ainda que ele queira cair, que ele comece a querer desabar em direção à terra, os pajés seguram ele no lugar. Isso porque nós, os Yanomami, nós ainda estamos existindo. Quando não houver mais Yanomami, aí o céu vai cair de vez. São os hekurabë dos pajés que seguram o céu. Ele pode começar a rachar com muito barulho, mas eles conseguem consertá-lo e o fazem ficar silencioso de novo. Quando nós, os Yanomami, morrermos todos, os hekurabë cortarão os espíritos da noite, que cairão. O sol também acabará assim. Nos primeiros tempos, o céu já caiu, quando ele estava ainda frágil [antes desta queda do céu, morava na terra uma humanidade Yanomami que foi precipitada no mundo subterrâneo, onde se transformou num povo de monstros canibais]. Agora, ele está solidificado, mas, apesar disso, os hekurabë vão querer quebrá-lo. Eles também vão querer rasgar a terra. Um pedaço rasgar-se-á por aqui, outro por aí, outro ainda numa outra direção. Tudo isso também cairá, todos cairão do outro lado da terra e todos morrerão juntos. É assim que serão as coisas, por isso estamos ficando muito inquietos. Mas os grandes pajés, os mais velhos, dizem-nos: "não! Não fiquem inquietos! Mais tarde, teremos nossa vingança! Da mesma maneira que eles estão-nos fazendo morrer, nós também provocaremos sua morte!" É assim que os pajés falam.

Os hekurabë são muito valentes. Quando seus "pais", os velhos pajés, morrem, eles ficam com uma raiva-de-luto muito grande. Eles querem muito vingar-se. Aí, eles começam a cortar o peito do céu. Mas outros hekurabë, que pertencem aos pajés que ficaram vivos, seguram-nos, dizendo: "Não! Não façam isso! Ainda há outros pajés vivos! Os pajés mais jovens estão ficando no lugar dos mais velhos!"... Falando assim, eles conseguem impedir a queda do céu. "Os espíritos da xawara, os xawararibë, estão aumentando muito... Eles são tão numerosos quanto os garimpeiros, tão numerosos quanto os brancos. Por isso não conseguimos juntar-nos o suficiente para lutar".

Bruce - Os pajés e seus hekurabë estão tentando lutar contra a xawara. Como é esta luta?

Davi - Nós queremos acabar com a xawara. Mas ela é muito resistente. Ela é toda enrugada e elástica... como borracha. Os hekurabë não conseguem cortá-la com suas armas e ela acaba segurando-os quando a atacam. Quando ela consegue, assim, apoderar-se dos hekurabë, seus "pais", os pajés, morrem. Só mandando muitos outros hekurabë, consegue-se arrancar os hekurabë que ela mantém presos. Aí, o pajé volta de novo à vida. Os espíritos da xawara, os xawararibë, estão aumentando muito. Por isso a fumaça da xawara é muito alta no céu. Eles são tão numerosos quanto os garimpeiros, tão numerosos quanto os brancos. Por isso não conseguimos juntar-nos o suficiente para lutar. Os brancos não se juntam a nós contra a xawara. Os seus ouvidos são surdos às palavras dos pajés. Somente você, que é outro, entende esta língua. Os brancos não pensam: "o céu vai desabar". Eles não se dizem: "a xawara está nos devorando". Por isso ela está comendo também um monte das suas crianças, ela acaba com elas, as devora sem parar, as mata e moqueia como se fossem macacos que ela anda caçando. Ela amontoa, assim, um monte de crianças moqueadas. Todos Yanomami que ela mata são moqueados e juntados, assim, pela xawara. Só quando tem o bastante é que ela pára. Ela mata um bocado de crianças de uma primeira vez e, um tempo depois ataca um outro tanto. É assim... xawara tem muita fome de carne humana; não quer caça nem peixes, ela só quer a carne do Yanomami, porque ela é uma criatura sobrenatural. Quando os pajés tentam afugentar a fumaça da xawara que está no céu com chuva, também não dá... Ela está muito alta, fica fora de alcance e não pode ser afugentada. É assim que falamos destas coisas entre nós. No começo, eu não sabia de nada disso. Foram os grandes pajés, os mais velhos, que me ensinaram a pensar direito... Não sabia, mas agora aprendi. Está bom assim? Se você me perguntar outra coisa, te darei outras palavras minhas.

Bruce - Se os garimpeiros não forem retirados das suas terras, o que você pensa que vai acontecer para o povo Yanomami? "Outros Yanomami não vão ser criados depois de nós. Quando os garimpeiros acabarem com os Yanomami, outros não vão surgir de novo assim..."

Davi - Se os garimpeiros continuam a andar em nossa floresta, se eles não voltam para o lugar deles, os Yanomami vão morrer, eles vão verdadeiramente acabar. Não vai haver pessoas para nos curar. Os brancos que nos curam, médicos e enfermeiras são poucos. Por isso, se os garimpeiros continuarem trabalhando em nossa mata, nós vamos realmente morrer, nós vamos acabar, só vai sobreviver um pequeno grupo de nós. Já morreu muita gente, e eu não queria que se deixasse morrer toda esta gente. Mas os garimpeiros não gostam de nós, nós somos outra gente e por isso eles querem que nós morramos. Eles querem ficar sozinhos trabalhando. Eles querem ficar sozinhos com nossa floresta. Por isso estamos muito assustados. Outros Yanomami não vão ser criados depois de nós. Quando os garimpeiros acabarem com os Yanomami, outros não vão surgir de novo assim...não vão, não. Omamë já foi embora deste mundo para muito longe e não vai criar outros Yanomami... não vai não.

Bruce - Você quer que eu traduza mais alguma coisa?

Davi - Agora você vai dar para os outros brancos as palavras que eu dei para você, e diga mais alguma coisa, você. Diga que, no começo, quando você morava lá... conte como a gente era, com boa saúde... Como a gente não morria à toa, a gente não tinha malária. Diga como a gente era realmente feliz. Como a gente caçava, como a gente fazia festas, como a gente era feliz. Você viu isto. Nós fazíamos pajelanças para curar. Hoje, os Yanomami nem fazem sua grandes malocas, que chamamos yano, só moram em pequenas tapiris no mato, embaixo de lona de plástico. Não fazem nem roça, nem vão caçar mais, porque eles ficam doentes o tempo todo. É isto.

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Outras leituras

Õkãpomai: A defesa da Terra Indígena Yanomami, especial web produzido por uma parceria entre Hutukara, ISA e Midia Ninja O massacre dos Yanomami de Haximu, por Bruce Albert

Foi genocídio!, por Luciano Mariz Maia

Yanomami discutem seus problemas em Assembléia, carta aberta redigida pela comunidade Watoriki (Demini), sob liderança de Davi Kopenawa Yanomami

Descobrindo os Brancos; Os pés do sol pisaram a floresta; Sonhos das origens, por Davi Kopenawa Yanomami

Xawara - O ouro canibal e a queda do céu, entrevista com Davi Kopenawa Yanomami

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Sanöma - Cogumelo Yanomami