“A nossa primeira casa foi um corpo de uma mulher”
Sol Jeripancó
Meu nome é Sol, sou do povo Jeripancó, de Alagoas.
O que te trouxe para participar da Primeira Marcha das Mulheres Indígenas?
Então, representando as guerreiras, infelizmente, em minha aldeia fui a única que pude comparecer. Moro em São Paulo atualmente, vim para fortalecer o empoderamento feminino e para passar essa experiência para outras mulheres da aldeia. Quando foi decidido fazer a marcha das Mulheres indígenas, julgado em ATL. Quando cheguei em São Paulo, comentei para outras indígenas e outros povos que nunca tinham saído de suas aldeias para nos unirmos a isso, dar voz, colocar para fora o que pensam, o que acham… houve obstáculos em relação a tudo: a resistência masculina presente entre umas conseguindo ir, e outras não. Então é mais para busca de melhorias. O meu povo perdeu a sua língua nativa. Estou em busca, esse ano, de conseguir resgatar a língua com os Pankararu. Serei a primeira mulher a realizar isso, buscando uma força entre as outras mulheres.
Em sua aldeia, quais são as dificuldades que vocês enfrentam e percebem? Questão de violência, diálogo com os homens...
Vejo dificuldades no que diz respeito ao acesso à informação pelas mulheres das aldeias, como sou de contexto urbano, absorvo muito deste relato. Existem mulheres empoderadas lá também. O espaço da mulher é uma das principais dificuldades a se conquistar. A nossa primeira casa foi um corpo de uma mulher, então o respeito com o mesmo é de extrema importância para a luta. Infelizmente, nasci em cidade e tive contato ancestral há pouco tempo, mas tenho total apoio do meu cacique, compareço ao ATL e outros movimentos de levante indígena realizados, e busco muito ver do espaço feminino, algo que vejo que as mulheres precisam conquistar mais.
E a questão da saúde, da educação, como você tenta interligar isso ao teu povo?
Tanto no nordeste, e em outros espaços, é uma questão geral que enfrentamos problemas com isso. Sou de Alagoas, e morei metade da minha vida por lá. Vejo uma dificuldade geral em relação a acesso, a médicos, a saúde. É difícil para os brancos, imagine para os indígenas. Por exemplo, tenho um filho autista. Tive que sair de Alagoas para vir a São Paulo realizar tratamento. Isso acontece muito, e meus familiares reclamam muito dessa falta. Acredito que no nordeste esse acesso à saúde é muito mais precário devida à dificuldade de acesso.
A questão do território: como foi esse processo de reconstrução da língua?
Comecei a entrar em contato com outros povos que conhecia. Para mim, perder a língua é perder a identidade do povo, por conta da colonização. Meu povo sofreu muito com o cristianismo, o que acho danoso, em termos de religião. A língua, é a outra metade que se perdeu. Um povo sem língua e sem espiritualidade é um povo órfão. Me senti na obrigação, por ser filha daquela terra, de retomar isso. Foi difícil no começo, recebi muitos “nãos”, principalmente por ser mulher. Mas existem homens de cabeça mais aberta, meu cacique super me apoiou. Pretendo ir em outubro para lá, já para dar início nas crianças, ensinar as guerreiras.
A entrevista acima foi registrada em 2019, durante a Primeira Marcha das Mulheres Indígenas, em Brasília (DF), por Selma Gomes, Beatriz Murer, Daniele Leal, Mariana Furtado e Silvia Futada.